Desde o fim de 2010 já vínhamos discutindo as relações entre Língua de Sinais, performance, corpo e cidade. Com os nossos estudos, aprendemos que a Língua de Sinais é uma língua visual-espacial, que é, como diz Oliver Sacks, uma “gramaticação do espaço”. Fomos atrás de artistas e pensadores que têm na relação com o corpo a sua matéria prima de criação, como: Lygia Clark, Signmark, Os Dois Companhia de Dança, DV8, Marina Abramovic, Flavio de Carvalho, entre muitos outros.
A partir da percepção de que a Libras é uma língua performática e de que uma discussão que interessa surdos e não surdos é de “como o corpo fala”, “o que fala”, “para quem e para que fala”, passamos a perceber a “palavra” como uma forma de compromisso e de existência.
E o que pode surgir do encontro entre a “palavra surda” e a “palavra ouvinte”?
Esta é uma problemática que tem nos acompanhado e nos mobilizado. E, se quando falamos em palavra, em narrativa, em escrita, em sinais, em oralidade, falamos também na poesia, passamos então a estudar a “palavra poética”, lendo alguns poemas, estudando o que é a “poesia”, entendida de forma ampla, enquanto “instante poético”, enquanto inspiração, deslocamento.
Fizemos diversos exercícios de compreensão dos sinais enquanto “matéria de poesia” e enquanto “poesia visual”.
Lendo um artigo que saiu na Folha de São Paulo a respeito do movimento chamado de “literatura periférica”, no qual jovens de todas as partes da cidade escrevem poesia, publicam os seus próprios livros, criando também espaços de escuta e circulação dos poemas, os chamados Saraus periféricos, entendemos que esse é um movimento que também pensa na relação entre palavra, corpo, performance, cidade e política.
Os jovens engajados nesse movimento entendem o Sarau como um espaço de encontro e politização. Como dizem, é uma estratégia para mudar o imaginário a respeito do jovem, do jovem periférico, e também para mudar o seu próprio imaginário sobre si mesmo.
A partir disso, passamos a criar alguns poemas e a desenhar este novo projeto Palavra Surda Palavra Ouvinte, que agora está se iniciando, de encontro com esse movimento dos Saraus e participação nesses Saraus.
Nos parece potente a inscrição da LIBRAS e da cultura surda nesse espaço, no qual jovens urbanos, especialmente de São Paulo, discutem e realizam poesia a partir da idéia de criação de espaços alternativos para o encontro. Tem tudo a ver com os princípios do Corposinalizante e com a necessidade de inventar e fazer circular outros imaginários e formas de compreensão de si e do outro, a partir dessa situação de “margem”, algo que o grupo tem tentado fazer desde o início.
Abaixo, uma das poesia que criamos a partir das nossas discussões e que, em breve, será apresentada como performance em algum Sarau da cidade:
UMA POESIA VISUAL
(Arregaçar as mangas)
Para que serve a poesia?
Disponibilizar-se, disponibilizar-se, disponibilizar-se
Não ser deficiente, ser diverso, não ser deficiente, ser diverso
Não ser deficiente, ser diverso
Desconstrução da representação, linhas de fuga, comunicação
Vamos libertar as palavras
(Os padrões servem para vender os produtos)
Mas é o corpo a casa da poesia
E a poesia a minha morada
Não possuo palavras, sou palavra
(A magia vive nas palavras)
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