O processo do filme “Corpo, Nossa Língua,” tem sido bastante intenso até agora. Com o objetivo de mostrar a relação da comunidade surda com a educação, o nosso grande desafio é conseguir fazer isso sem deixar de lado a dimensão poética, artística e criativa do nosso trabalho. Por outro lado, é importante que o contexto a partir do qual falamos se torne claro para aqueles que não participam e não conhecem essa realidade.
As duas primeiras entrevistadas do filme foram Karina, uma menina de 10 anos de idade, e Luana, uma adolescente. Com um tapete na mão, “objeto delimitador do espaço de conversa”, os entrevistadores, jovens do Corposinalizante, criaram situações de escuta no meio da cidade. Karina escolheu para contar a sua história um parque e Luana a Avenida Paulista.
A história da Karina relata a história da “fada dos dentes”, que teria aparecido à noite em uma viagem que fez com a escola. A da Luana relata a sua relação com os livros, o gosto que tem pela leitura. São histórias simples e que não tem uma relação direta e óbvia com o tema “educação na comunidade surda”. A relação com o tema é, na realidade, sutil, quase invisível. Diz respeito, sobretudo, à possibilidade que essas duas meninas tiveram de estabelecer relações saudáveis com o espaço-tempo do aprendizado; criar afetos com objetos comuns entre culturas (o livro, o universo da escrita, é uma linguagem acessada pelos olhos e não pelos ouvidos).
Apesar da riqueza poética das entrevistas, percebemos, também através dos olhos críticos do pessoal da Matizar, que faltava uma inserção mais “objetiva” no filme, até para que a sutileza ganhasse mais força e sentido. Por isso, passamos a focar na idéia de fazer conversas mais jornalísticas com os dois entrevistados que viriam a seguir, preparando algumas perguntas mais focadas na relação deles com educação.
Com isso, poderemos misturar na edição duas conversas mais soltas (narrativas de histórias pessoais), com duas mais objetivas. O 3º entrevistado, já filmado, teve uma experiência diferente com educação: ele fez o colegial em uma escola de ouvintes, sem intérprete de Libras, e hoje está terminando a faculdade.
Fizemos essa diária de filmagem na última quinta-feira e a entrevista foi muito boa! Além de pedir para ele nos contar uma história pessoal, nós também fizemos perguntas mais objetivas e direcionadas a ele, o que trouxe um contexto muito maior da relação surdo/educação para o filme.
A história pessoal foi muito bacana. Ele nos contou que estudou no Mackenzie durante o colegial, não teve acesso a um intérprete e, por isso, usou leitura labial em todas as aulas - o que muitas vezes foi super complicado, principalmente quando os professores esqueciam de sua presença e viravam de frente para a lousa (de costas para os alunos) e continuavam falando. Mas ele sempre chamou a atenção de todos para a sua presença e tirou notas muito altas em todas as matérias, exceto em uma delas. O professor desta matéria na qual ele não tirava boas notas, foi procurá-lo certo dia, perguntando por que ele não ia bem. Ele explicou que, por conta de sua barba, não conseguia fazer leitura labial e compreender os conteúdos. Na mesma hora, no próprio horário escolar, o professor, que usava uma barba enorme, voltou para a sala de aula sem barba!
As respostas deste entrevistado para as nossas perguntas foram muito importantes para melhorar o foco do filme e trazer de maneira mais forte o contexto da educação para a comunidade surda:
1) Conte uma história pessoal que tenha relação com sua experiência escolar.
2) Quanto tempo você estudou na escola especial e na escola comum?
3) Estudar em uma escola de surdos antes de estudar com ouvintes foi importante em que?
4) Quais estratégias você usou para acompanhar as aulas expositivas (leitura labial, aparelho auditivo, copiou anotações feitas na lousa, emprestou caderno de amigos, estudou com amigos?
5) O que você acha da idéia de inclusão na educação?
Agora estamos preparando nossa última entrevista, com um senhor de mais idade que seja professor surdo. Queremos, com isso, entender a trajetória de alguém que tenha sido aluno surdo em uma época na qual a Libras era proibida como língua, e agora é um professor para alunos surdos, usando a Libras como língua legítima e oficial. Pensamos em fazer essa entrevista tendo como pano de fundo uma biblioteca ou uma escola, trazendo essa imagem de forma mais forte nessa personagem, de modo a remeter diretamente a esse contexto. Faremos esta 4ª e ultima entrevista ainda esta semana.
Também estamos pensando em como trazer a performance corporal para ser usada, visualmente, no final do filme, pois isso também é algo que marca nossa identidade como grupo. Estamos escrevendo um breve parágrafo, que contextualiza a situação da educação dos surdos no Brasil, até quando o uso da Libras foi proibido em escolas brasileiras etc... e pensamos em fechar o filme com este pequeno textinho (em GC) e a ação acontecendo visualmente.
Nosso grande desafio nesse momento é de fato conseguir misturar a dimensão mais poética do nosso trabalho com a dimensão mais objetiva e histórica da relação da comunidade surda com a educação.
Texto: Cibele e Joana
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